Ototoxicidade

Alguns medicamentos apresentam características ototóxicas dose-dependente: os diuréticos de ansa, alguns antineoplásicos (cisplatinium e carboplatinium) e os antibióticos aminoglicosídeos. Estes últimos (neomicina, canamicina, gentamicina, amicacin, ...) têm como alvo principal as células ciliadas, destruindo primeiro as CCE e posteriormente as CCI com um gradiente base-ápice.

Efeito dos aminoglicisideos sobre as estruturas neurossensoriais da cóclea.

As lesões das células ciliadas seguem um duplo gradiente de progressão: da 1ª fiada de CCEs para a 3ª; as CCI são as últimas a ser atingidas; Da base para o ápice da cóclea.

 A série de imagens (M. Lenoir) de microscopia electrónica de varrimento (MEV), abaixo, permitem seguir a evolução das lesões provocadas por doses crescentes(0 a 4) de amicacina na cóclea do rato.

M. Lenoir

0) Aspeto normal da superfície do órgão espiral da base da cóclea dum rato.

Esta imagem mostra, de cima para baixo, a fiada das CCI e as 3 fiadas de CCE.

M. Lenoir

1) Lesão inicial provocada pela amicacina.

As lesões começam a surgir na 1ª fiada de CCEs que é a mais sensível. Não há qualquer lesão das CCIs.

No Homem uma agressão deste tipo provoca uma hipoacusia ligeira nas frequências agudas, com discreta perda da discriminação.

M. Lenoir

2) Uma dose mais elevada provoca a perda da todas as CCEs com a consequente perda do mecanismo activo. As CCI ainda não são atingidas.

No Homem esta lesão provoca uma hipoacúsia de 50-60 dB e uma importante perda da discriminação frequencial (da linguagem).

 

M. Lenoir

3) Com uma dose ainda mais forte as CCIs desaparecem. Só alguns tufos de cílios fundidos entre si são visíveis (M. Lenoir).
 
 Cofose (surdez total)

M. Lenoir

4)  Desaparecimento total do órgão espiral.

 Somente resta uma cicatriz formada por células epiteliais indiferenciadas (M. Lenoir).

Este estado resulta da evolução, 2 meses mais tarde, do estadio 3) apresentado acima.

Nota. Posteriormente ao desaparecimento das células ciliadas, observa-se que as células de suporte sofrem também profundas modificações. Elas ocupam o espaço vazio formando uma cicatriz (figuras 2, 3 ).

Numa segunda fase (4) as células "desdiferenciam-se" para formar um epitélio plano (imagem de corte semi-fino à direita).

cellules annexes et de soutien

M. Lenoir

Antes do desaparecimento completo das células ciliadas, os conjuntos de cílios apresentam alterações estruturais profundas tais como Fusões ciliares (à esquerda) e a formação de cílios gigantes(à direita).(M.Lenoir).

M. Lenoir

É de referir que a ototoxicidade devida aos aminoglicosídeos está bem caracterizada no adulto. No entanto, é necessário ter muito cuidado durante o período de desenvolvimento coclear (2ª metade da gravidez e a permaturidade) em que existe uma hipersensibilidade a estes fármacos: Doses de aminoglicosídeos totalmente inofensivas no adulto podem, nesse período, provocar lesões irreversíveis. 

Mecanismo de morte das células ciliadas

As células ciliadas intoxicadas por aminoglicosídeos morrem por apoptose.

immunofluorescence sur préparation à plat d’organe de Corti

P. Vago

dégénérescence d'une CCE

M. Lenoir

Imunofluorescência numa preparação dum órgão espiral; marcação com a técnica de TUNEL dum órgão espiral exposto à amicacina (P. Vago). Os núcleos das células intactas estão marcados a vermelho e os das células apoptóticas aparecem a amarelo.

Muitas das células sensoriais já desapareceram (1ª e 2ª fiada de CCE); a maioria das CCI e CCE (da 3ª fiada) retantes apresentam núcleos apoptóticos. 

Degenerescência duma CCE apresentando um núcleo  apoptótico típico (microscopia eletrónica de transmissão)(M. Lenoir).

Macrófagos

O desaparecimento das células ciliadas é acompanhado por uma resposta das células do sistema imunitário caracterizada pela invasão massiva do órgão espiral por numerosos macófagos.

Deux macrophages dans le tunnel de Corti

M. Lenoir - S. Ladrech

Immunofluorescence. Un macrophage

S. Ladrech - M. Lenoir

MET. Dois macrófagos no túnel espiral que se encontra ocupado por restos celulares.

Imunofluorescência. Um macrófago duplamente marcado por CD45 e ED1, no túnel espiral (de Corti).

Lesão secundária dos neurónios

Após a destruição das CCI pelos fármacos ototóxicos observa-se a degenerescência progressiva dos neurónios de tipo I que contactavam essas células.

Essa degenerescência começa pela porção não mielinizada dos dendritos (botões sináticos), que contactam a base das CCI, e que são sujeitos a um choque excitotóxico no momento da morte dessas células. Seguidamente, observa-se a degenerescência axoplásmica das fibras da lâmina espiral e finalmente a morte por apoptose dos neurónios tipo I.  

R. Pujol

une dégénérescence axoplasmique

R. Pujol

15 dias após o tratamento com neomicina, que fez desaparecer as CCI, é visível a degenerescência axoplásmica de algumas fibras da lâmina espiral (que ligam o corpo celular do neurónio de tipo I à CCI). 

A bainha de mielina está perfeitamente conservada como é observado na imagem da esquerda, onde se observa uma célula de Schwann e a bainha produzida por ela, envolvendo um resíduo axonal. 

R. Pujol

R. Pujol

Compare a densidade dos neurónios de tipo I no gânglio espiral duma cóclea normal de rato (esquerda) e 2 meses após a degenerescência ototóxica das CCI (direita).

Variabilidade inter espécies e em função da idade

A severidade das perdas celulares é função da dose administrada mas, também, da espécie considerada e da idade. Assim, o cobaio é mais sensível que o rato que, por sua vez, é mais sensível que o ratinho.
 
No rato e no ratinho existe um período crítico de sensibilidade aos fármacos ototóxicos que corresponde à entrada em função da cóclea (aparecimento dos potenciais de acção), nos dias pósnatais 11-12.

Última atualização: 2016/09/09 21:08